segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pitangueiro



Lembro-me do cheiro. Ocheiro é algo profundamente remetedor e íntimo; ativa a lembrança de um jeito sutil. E na minha memória parca, quase tudo que marcou a infância tinha um cheiro específico. Esses cheiros têm quase gosto quando os sinto hoje. É inevitável fechar os olhos e, fechando os olhos, a gente enxerga a imagem...a textura, a forma, o peso...tão perto que eu toco.

O pé de pitanga. É a coisa que mais tenho viva da minha infância, na cabeça! Lembro bem que ele ficava do lado da horta, que logo se foi pela falta de cuidados e em frente ao galinheiro que logo se foi pelos cachorros. Era frondoso, com aquelas suas flores brancas delicadas, e os frutos, ah os frutos! Tão vermelhos e doces (sempre achei que se pareciam com mini-abóboras).
Mas o que eu mais gostava naquele pé, era o pé. No pé, sentávamos eu e minha prima e fazíamos luxuosos bolinhos de lama que nos dava água na boca. Na verdade, o que eu mais gostava mesmo era de ter um pé de pitanga! Como eu era ogulhosa daquilo! Todos os meus amigos tinham pés de acerola, goiaba, manga - coisas que também tínhamos, aliás. Mas ninguém tinha um pé de pitanga. Era diferente...

Não me lembro quando aquele pé deixou de existir para dar lugar ao quarto do meu irmão. Também não lembro se fiquei triste ou não, na época. Mas hoje, cada vez que eu vejo um pé de pitanga, eu acabo repetindo com o mesmo entusiasmo e dizendo sempre a mesma coisa pra quem estiver mais perto: "eu tinha um pé de pitanga!!!"

Minha maior felicidade esses dias, foi me deparar com um pé que tinha uma pitanga, tão somente. Ela era minha. Estava amarga, mas eu fiquei emocionadissima comendo aquele negócio. Aí eu fechei os olhos, lembrei do meu pé, da textura, da forma, do cheiro...
Minha infância tinha cheiro de pitanga.